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ECCO: Encerramento na Eslováquia, Alerta para Portugal — Estamos solidários com os nossos colegas eslovacos

ECCO: Encerramento na Eslováquia, Alerta para Portugal — Estamos solidários com os nossos colegas eslovacos

Martin: onde tudo ruiu de repente

Martin é uma cidade industrial da Eslováquia central, com uma longa tradição operária e uma das principais localizações estratégicas da ECCO na Europa. Desde o final da década de 1990, a unidade fabril ali instalada tornou-se referência na produção de calçado de elevada qualidade, contando com mais de 640 trabalhadores altamente qualificados e responsáveis por mais de 50 milhões de pares produzidos ao longo de quase três décadas.

Para centenas de famílias, esta fábrica era mais do que um local de trabalho: era a base de toda uma vida construída com esforço, estabilidade e dignidade. O encerramento repentino abalou não só a economia local, mas também a estrutura emocional e familiar de uma cidade inteira. Pais e mães vão voltar para casa sem explicação, sem rumo, com a angústia de quem vê o chão desaparecer debaixo dos pés. Era mais do que uma fábrica. Era um pilar económico e social, um espaço de saber acumulado, de dedicação operária, e de compromisso entre empresa e comunidade. Era também uma referência de qualidade interna para a ECCO global.

Em abril de 2025, tudo isso foi abruptamente posto em causa. A empresa anunciou, de forma unilateral, o encerramento da unidade. A decisão apanhou todos de surpresa — sem negociação com os trabalhadores ou o sindicato IOZ, sem qualquer faseamento, sem respeito pelos laços humanos e profissionais construídos em mais de 25 anos de história comum.

Martin perdeu mais do que uma fábrica. Perdeu dignidade. Famílias perderam o seu sustento. Reformas foram comprometidas. Centenas de vidas foram empurradas para a incerteza — sem qualquer fundamentação técnica ou económica que tornasse tal decisão inevitável.

Encerramento definitivo da ECCO

ECCO: A ética que ficou para trás

Fundada em 1963, na cidade dinamarquesa de Bredebro, a ECCO nasceu com uma filosofia clara: controlo vertical da produção, investimento na formação, valorização do trabalhador e qualidade como princípio. Sob a liderança do seu fundador, Karl Toosbuy, a empresa tornou-se uma referência europeia em inovação, ergonomia e respeito pelo fator humano — um diferencial ético que a própria empresa promovia com orgulho.

A marca não foi construída com base em capital financeiro, mas com base na reputação de um projeto familiar que dizia colocar as pessoas em primeiro lugar. O modelo verticalizado da ECCO era considerado pioneiro — não apenas por garantir controlo de qualidade em todas as etapas da produção, mas também por simbolizar um compromisso com a estabilidade laboral e a dignidade do trabalho, por campanhas que apelavam ao equilíbrio entre conforto, durabilidade e responsabilidade social. Em feiras, convenções e anúncios institucionais, a ECCO apresentava-se como "diferente". Era o símbolo de uma empresa onde a tecnologia não anulava o trabalhador, mas o valorizava.

Expandiu-se para dezenas de países e construiu um modelo empresarial que, durante muito tempo, parecia diferente da média do setor: aliava inovação com respeito humano. Em várias geografias, como na Eslováquia, a proximidade com os trabalhadores fazia parte da identidade institucional. Fábricas como a de Martin simbolizavam essa cultura de — confiança e estabilidade.

Contudo, na última década, esta fachada foi-se desfazendo. A aproximação aos trabalhadores foi substituída por uma cultura corporativa fria e distante, marcada por cortes, reestruturações silenciosas e ausência de diálogo. A lógica passou a ser a do número e da meta, do corte fácil e da decisão unilateral.

A ECCO de hoje já não escuta. Já não explica.

Já não respeita. Só executa.

Emcerramento da unidade Ecco da Eslováquia

Decisões que silenciam: da Rússia ao silêncio europeu

Em plena guerra na Europa, a ECCO tomou uma decisão inesperada e controversa. Em fevereiro de 2022, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, dezenas de multinacionais ocidentais encerraram de imediato as suas operações em território russo, por motivos éticos, políticos e reputacionais. A ECCO, porém, escolheu outro caminho: decidiu permanecer. A justificação, dada pelo então CEO Panos Mytaros, foi clara — e cuidadosamente calculada: “Temos responsabilidade por 1.800 trabalhadores em 250 lojas.”

A decisão gerou protestos dentro e fora da Dinamarca. Grandes cadeias de distribuição deixaram de vender produtos da marca. A própria Família Real dinamarquesa cortou relações institucionais com a empresa, retirando-lhe o prestígio de décadas. Mesmo assim, a ECCO manteve-se em silêncio. Continuou a operar na Rússia — sem rever a sua posição, sem prestar contas à opinião pública e, acima de tudo, sem respeito pelos valores europeus que dizia defender.

Ao mesmo tempo, preparava, com total opacidade, o encerramento da sua unidade em Martin. Uma fábrica exemplar, localizada na União Europeia, com décadas de produtividade, estabilidade e compromisso. Em Martin, a empresa não invocou “responsabilidade social”. Não mostrou preocupação com os seus mais de 640 trabalhadores. Não convocou diálogo. Não apresentou plano de transição.

Até ao momento, a ECCO nunca explicou a sua decisão. Nunca apresentou qualquer justificação técnica, económica ou estratégica. E, sobretudo, nunca mostrou arrependimento.

A mesma empresa que recusou sair da Rússia em nome dos seus trabalhadores, despediu 643 cidadãos europeus — sem aviso, sem negociação, sem remorso.

O silêncio da ECCO diz tudo. E o que diz não pode ser aceite.

Thomas Gøgsig assumiu o cargo no ano passado (2024) - repentinamente - como o novo CEO do Grupo Ecco. (Imagem - PR Foto)Thomas Gøgsig assumiu o cargo no ano passado (2024) - repentinamente - como o novo CEO do Grupo Ecco. (Imagem - PR Foto)

Gestão sem alma: Panos, Gøgsig e a transição vazia

A liderança de uma empresa define os seus valores na prática. E, no caso da ECCO, a gestão recente demonstrou uma rutura total com os princípios fundacionais da marca.

Em 2021, o grego Panos Mytaros assumiu a presidência executiva da ECCO. Foi sob a sua direção que a empresa optou por permanecer na Rússia após a invasão da Ucrânia, mesmo perante boicotes internacionais e a perda do apoio da própria Família Real da Dinamarca.

O discurso de Mytaros falava de “responsabilidade com os trabalhadores russos”. Mas nenhuma menção foi feita à proteção dos trabalhadores europeus.

Em dezembro de 2024, Panos sai discretamente da liderança. Assume Thomas Gøgsig, que já integrava o Conselho de Administração da ECCO desde 2021 e ocupava o cargo de diretor comercial. Assumiu a função de CEO após a saída de Panos Mytaros. Essa alteração não significou mudança de rumo. Gøgsig não só manteve o silêncio como confirmou, de forma deliberada, o encerramento da unidade de Martin, sem apresentar qualquer justificação técnica ou humana.

"Panos falava de responsabilidade. Gøgsig praticou o distanciamento."  - SNPIC

A transição foi, na prática, a continuidade de uma gestão que abandonou os seus trabalhadores — em nome da conveniência, do silêncio e da ausência de responsabilidade europeia.

Os números não mentem: a decisão foi estratégica

Em 2023, a ECCO obteve um lucro líquido de 90 milhões de euros. O volume de negócios manteve-se estável, mesmo com oscilações cambiais. Em março de 2025, a empresa comunicou uma perda pontual de 280 milhões de coroas dinamarquesas (cerca de 37 milhões de euros) em 2024, que classificou como o resultado de um plano interno de corte de custos e reforço das suas “atividades principais”.

Apesar do prejuízo, os acionistas mantiveram capital próprio elevado, e a empresa projetou para 2025 um crescimento do volume de negócios entre 1,65 e 1,75 mil milhões de euros.

Segundo os relatórios da própria empresa, a unidade de Martin nunca registou quebras significativas de produtividade.

Os dados estão disponíveis. São públicos. E são claros: a ECCO não encerrou a unidade de Martin por necessidade económica.

Fê-lo porque quis. Porque era conveniente. Porque ninguém quis contestar.

Num ano com projeção de crescimento, despede centenas. Esse é o verdadeiro plano estratégico.

A ECCO não encerrou por necessidade. Escolheu abandonar.

Trabalhadores da ECCO ficam sem trabalho!

Pavol Hustava e o IOZ- Integrovaný odborový zväz (União Sindical Integrada): a dignidade sindical

Num dos seus testemunhos mais marcantes, Pavol afirmou: “Esta situação não tem nada a ver com quem governa o país neste momento. O verdadeiro problema é que, para investidores estrangeiros, é demasiado fácil explorar o que podem e, depois, fazer as malas e deslocalizar a produção.

Para ele, o que aconteceu em Martin não foi uma consequência das sanções contra a Rússia, mas sim o reflexo de uma estratégia empresarial deliberada. Pavol lembrou que, quando começou a guerra na Ucrânia, a ECCO recusou-se a sair do mercado russo, invocando preocupação com os seus trabalhadores nesse país. No entanto, agora, em claro contraste, encerra uma fábrica na União Europeia com mais de 600 trabalhadores — sem qualquer remorso.

A sua leitura é clara: a preocupação da ECCO nunca foi com as pessoas, mas com o negócio.

Portugal: entre o espelho e o aviso

A atuação da ECCO em Portugal tem revelado, ao longo dos anos, práticas recorrentes de má gestão e reestruturações laborais unilaterais, frequentemente marcadas por ausência de diálogo e medidas de natureza antissindical. O SNPIC tem vindo a denunciar publicamente este padrão de comportamento, que visa fragilizar a organização coletiva dos trabalhadores e promover climas de medo e desunião. Apesar de, em alguns casos, serem apresentados acordos individuais, a estrutura geral permanece inaceitável.

O padrão de conduta da ECCO não é novo e já se repetiu no passado em território nacional.

Em São João de Vêr, Santa Maria da Feira, está instalada a principal unidade de produção da ECCO em Portugal. Desde 1984, esta fábrica tem sido apontada como um exemplo de qualidade e estabilidade dentro do grupo.

Mas nos últimos anos, sinais preocupantes começaram a surgir. Despedimentos coletivos em 2024, restruturação constante mas sem melhorias, greves por melhores salários e condições de trabalho, e registos concretos e denúncias internas de falta de diálogo por parte da administração fazem soar todos os alarmes.

As semelhanças com o que se passou em Martin são demasiado evidentes para serem ignoradas. A estrutura de gestão é a mesma. O silêncio é o mesmo. A ausência de garantias também.

O encerramento da unidade eslovaca foi decidido e aplicado de forma repentina, mesmo com lucros e produção estável, com ou sem reenvidições ativas dos trabalhadores. O SNPIC alerta: se aconteceu lá, pode acontecer cá.

Não se trata de prever o pior. Trata-se de não permitir que o pior se repita.

A única defesa dos trabalhadores portugueses é a organização, a vigilância e a união sindical. E o SNPIC estará sempre onde os direitos estiverem ameaçados — e onde for preciso agir antes da próxima surpresa.

Quase 650 pessoas trabalham na fábrica. (Fonte: Miroslava Kovačková)Quase 650 pessoas trabalham na fábrica. (Fonte: Miroslava Kovačková)

O SNPIC exige, denuncia e age

O Sindicato Nacional dos Profissionais da Indústria do Calçado (SNPIC), como representante nacional legítimo dos trabalhadores do calçado, malas e marroquinaria, não escreve este artigo para relatar o passado. Escreve-o para agir sobre o presente e proteger o futuro.

A ECCO precisa de responder. Não apenas com comunicados — mas com compromissos.

O SNPIC exige que a empresa, em Portugal:

  • Assuma publicamente que não existe nenhum plano de encerramento ou deslocalização da unidade de São João de Vêr;
  • Apresente, com transparência, qualquer plano de reestruturação ou redução de postos de trabalho;
  • Estabeleça canais de consulta permanente com os representantes sindicais;
  • Cumpra integralmente o contrato coletivo de trabalho em vigor.

A nível europeu, o SNPIC exige que a ECCO:

  • Reconheça e negocie com o IOZ e Pavol Hustava todas as formas de compensação digna aos trabalhadores de Martin;
  • Reavalie imediatamente a sua presença na Rússia, em coerência com os princípios que a própria empresa dizia seguir;
  • Peça desculpa publicamente pelo encerramento abrupto e não negociado da unidade eslovaca.

Este artigo é um apelo direto a todos os trabalhadores — estejam ou não sindicalizados. Porque quando uma empresa encerra, o impacto atinge todos. Porque até num despedimento forçado, há sempre lugar para lutar. Lutar por mais. Lutar com dignidade. Lutar com união.

O encerramento da unidade na Eslováquia aconteceu quando ninguém esperava. A história mostra-nos que tudo pode repetir-se, quando a gestão é fraca, o diálogo é inexistente e a união está ausente.

Em Portugal ainda vamos a tempo. Mas só se estivermos juntos.

A luta de Pavol é justa. O IOZ é legítimo.

E Portugal estará do mesmo lado da história — o lado da organização, da dignidade e da verdade.

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CGTP - Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses
FESETE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal

Sindicato Nacional dos Profissionais da Indústria e Comércio do Calçado, Malas e Afins

SEDE
Av. Benjamim Araújo, 113
3701-912 S. João da Madeira

HORÁRIO
2ª a 6ª feira 9:30-12:30 / 14:00-18:30

CONTACTOS
snpic@snpic.pt
968 929 744
(Chamada para rede móvel nacional)

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