Novo CCT do Calçado: Quem Ganha é o Patronato, Quem Perde é o Trabalhador
Porquê o Não do SNPIC: A Coragem de Defender os Trabalhadores
A 1 de maio de 2025 entrou em vigor um novo Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) no setor do calçado e marroquinaria. Negociado entre a APICCAPS e os sindicatos da FESETE, este acordo contou com a assinatura de todos os sindicatos — exceto um.
O SNPIC — Sindicato Nacional dos Profissionais da Indústria e Comércio do Calçado, Malas e Afins — manteve-se fiel à sua missão de proteger os direitos dos trabalhadores e foi o único sindicato da FESETE a votar contra este acordo.
Esta não foi uma decisão fácil, nem tomada de forma isolada. Foi o resultado de uma análise profunda e responsável de cada cláusula proposta, das implicações a médio e longo prazo, e do histórico de deterioração progressiva que marca o CCT há mais de uma década.
Recusámos vender a dignidade dos trabalhadores por trocos. Recusámos legitimar um processo onde a Associação Patronal impôs cedências permanentes em troca de aumentos temporários, absorvíveis pelo salário mínimo em poucos meses. O SNPIC sempre foi, e continuará a ser, a linha de defesa contra a erosão silenciosa dos direitos laborais.
O novo contrato foi subscrito por 10 dos 11 sindicatos da FESETE e abrange 42 mil trabalhadores. A APICCAPS celebra este acordo como sinal de valorização, mas o SNPIC denuncia o conteúdo: não há valorização real quando se mantêm salários mínimos, precariedade e desigualdade. Há propaganda, não progresso.

A Farsa dos Aumentos: Entre a Propaganda e a Realidade
Os aumentos salariais foram amplamente celebrados na imprensa, destacando-se os "3%" médios mencionados pela APICCAPS. Contudo, as tabelas oficiais mostram outra realidade:
- A esmagadora maioria das categorias profissionais passou de 870 € para valores como 875 €, 880 € ou 885 €.
- Praticantes sem formação certificada continuam a receber 696 €, correspondentes a 80% do salário mínimo nacional.
- O subsídio de alimentação aumentou de 2,50 € para 4,00 €, depois de mais de uma década de estagnação. Com a inflação acumulada, os 4,00 € de hoje valem aproximadamente o mesmo ou menos que os 2,50 € de 2015.

O SNPIC apresentou alternativas realistas: defendemos um subsídio de 6,00 €, com margem negocial até aos 5,00 €, precisamente por sabermos que a recuperação do poder de compra exige ambição e responsabilidade. Ainda assim, a proposta foi recusada pela APICCAPS sem contraproposta aceitável.
A verdade é esta: quem ganhou com este contrato foi a APICCAPS. Aos trabalhadores deram migalhas que duram meses. Em troca, retiraram-lhes garantias que podem durar anos. Um exemplo prático? Um trabalhador em grau VI terá um aumento de apenas 10 €, que desaparecerá, muito provávelmente, com a subida do salário mínimo em janeiro de 2026.
Já o Luís Onofre, presidente da APICCAPS, afirmou publicamente que este contrato garante que "os trabalhadores estejam devidamente valorizados". Essa frase é, para o SNPIC, um insulto à realidade vivida nas fábricas. Como se pode falar em valorização quando se impõem turnos de 12 horas, penalizações desproporcionais e salários quase estagnados?
E no meio de tudo isto, as exportações do setor cresceram 5,4%, mesmo com quebra no mercado dos EUA. O setor gera riqueza — mas essa riqueza continua a não ser distribuída de forma justa.
Cláusulas que Condenam: a Erosão dos Direitos
Mais do que cifras ilusórias, preocupam-nos as cláusulas estruturais do CCT:
- Turnos Especiais: jornadas de até 12 horas diárias, com trabalho até 7 dias por semana em linhas robotizadas. Exigem "acordo individual" — mas em ambiente de pressão laboral, isso é uma ficção jurídica.
- Penalizações por faltas injustificadas: qualquer ausência imediatamente antes ou após fins de semana ou feriados é penalizada com o dobro da perda salarial. A proposta do SNPIC era razoável e equilibrada: que a penalização só ocorresse após a 3.ª reincidência no ano, protegendo os trabalhadores que enfrentam imprevistos ocasionais.
- Dotações mínimas suspensas por dois anos: empresas em zonas de "fraca densidade industrial" ficam dispensadas de manter quadros qualificados. Isto significa precariedade institucionalizada, justo onde os trabalhadores mais precisam de proteção.

O SNPIC apresentou alternativas ponderadas e responsáveis para cada uma destas matérias — todas rejeitadas pela APICCAPS. A intenção patronal era clara: impor regras permanentes, trocando-as por aumentos transitórios.
Tecnologia Sim, Exploração Não!
O SNPIC não se opõe à modernização tecnológica. Mas não aceitamos que essa modernização venha às custas da dignidade laboral. Os novos turnos robotizados impõem ritmos intensos, trabalho noturno e rotatividade agressiva.
Os jovens evitam o setor. Os mais velhos sentem o peso do corpo. E a única compensação oferecida é vigilância médica semestral e um prémio de 25% sobre horas exaustivas. Isto não é progresso: é o mesmo modelo antigo, com nova maquilhagem tecnológica.

Citando um trabalhador da linha de produção: “Agora são as máquinas que fazem, mas somos nós que pagamos com o corpo.”
Não Assinámos. Lutamos.
O SNPIC não se isolou — assumiu a sua responsabilidade.
Temos a obrigação de dizer a verdade aos trabalhadores: este contrato não representa progresso. Representa renúncia a direitos históricos em troca de aumentos pontuais.
Por isso dizemos:
❌ Não assinámos. ✅ Estamos aqui para lutar.
É possível fazer mais. É possível conquistar mais. Mas para isso os trabalhadores têm de se unir.
"Quem trabalha merece mais. E se estivermos juntos — conseguimos."

