O Setor do Calçado em Portugal: O Roteiro da Contradição e o Papel dos Trabalhadores
As recentes notícias sobre o “Roteiro do Conhecimento”, uma iniciativa promovida pela APICCAPS, prometem atrair jovens para o setor do calçado, malas e marroquinaria. Porém, enquanto se investem milhões em projetos como o FAIST, a realidade dos trabalhadores permanece marcada por salários baixos, carreiras congeladas e um subsídio de alimentação de apenas 2,50 euros por dia.
Um Investimento de Milhões, Mas Sem Reflexo no Bolso do Trabalhador
Nos últimos anos, projetos como o FAIST (Fábrica Ágil, Inteligente, Sustentável e Tecnológica) foram celebrados como marcos de inovação. Com um financiamento de 50 milhões de euros, este projeto visa transformar a produção do setor através da automação e digitalização. Além disso, o Plano Estratégico do Cluster do Calçado 2030, liderado pelo presidente da APICCAPS, Luís Onofre, define metas ambiciosas para tornar a indústria portuguesa uma referência mundial, com investimentos significativos em formação e tecnologia.
No entanto, enquanto se comemoram avanços tecnológicos, os trabalhadores permanecem em condições desumanas. Segundo o Ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, “a inovação e a tecnologia irão trazer mais competitividade ao setor”. Contudo, questionamos como esses avanços impactarão a vida dos trabalhadores, quando os salários mal ultrapassam o Salário Mínimo Nacional (SMN) e o subsídio de alimentação é uma afronta, fixado em apenas 2,50 euros por dia.
Roteiro do Conhecimento: Uma Cortina de Fumaça para a Precariedade
O “Roteiro do Conhecimento” já alcançou 78 escolas e envolveu 1.900 alunos, com promessas de expandir para ainda mais jovens. Luís Onofre, presidente da APICCAPS, afirma que o programa prepara uma nova geração para um setor mais competitivo. Já Rui Cabral, representante da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, defende que este roteiro “dá às crianças uma visão de futuro”.
Apesar dessas declarações, questionamos o paradoxo desse programa. As crianças que assistem às apresentações são os filhos de trabalhadores que enfrentam jornadas exaustivas, baixos salários e falta de valorização. Como convencer estas crianças a escolherem uma carreira em um setor que negligencia seus próprios pais?
Uma Indústria de Contrastes: Lucros Altos, Salários Mínimos
O setor do calçado português é internacionalmente reconhecido, contribuindo com 1,9 mil milhões de euros em exportações anuais. Segundo o presidente da APICCAPS, Luís Onofre, o objetivo é transformar a indústria em uma referência mundial, baseada em sofisticação e eficiência produtiva.
Contudo, esta lucratividade não reflete nas condições laborais. Os trabalhadores continuam presos a carreiras congeladas, enquanto a APICCAPS celebra recordes de exportação. Este contraste entre lucratividade e precariedade demonstra a desigualdade estrutural que persiste no setor.
O Estado português, representado por figuras como o Ministro Adjunto e da Coesão Territorial de Portugal, Manuel Castro Almeida, tem sido um ator central no financiamento de projetos como o FAIST, que recebeu 50 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). No entanto, enquanto milhões são investidos em tecnologia, os trabalhadores continuam à margem dos benefícios.
Por que o Estado continua a subsidiar uma indústria que falha em garantir dignidade aos seus trabalhadores? É necessário questionar por que não há condições vinculadas a esses investimentos para assegurar negociações coletivas justas e melhores condições laborais.
Os Filhos dos Trabalhadores: O Futuro que Não Podemos Permitir
Um dos maiores paradoxos do “Roteiro do Conhecimento” é o público-alvo: os filhos dos atuais trabalhadores. Estas crianças, que testemunham as dificuldades dos pais, são agora incentivadas a ingressar em um setor que falha em oferecer dignidade às suas famílias.
Luís Onofre e outros dirigentes destacam a importância de desmistificar estereótipos sobre o setor, mas ignoram que o problema não é a percepção pública – é a realidade. Sem salários justos e condições dignas, o setor não pode ser uma escolha legítima para as próximas gerações.
A Luta dos Trabalhadores: Transformar a Indústria de Baixo para Cima
A transformação do setor não virá das máquinas ou dos empresários, mas dos próprios trabalhadores. O SNPIC apela à unidade e organização para exigir:
- Negociações coletivas obrigatórias com critérios justos e transparentes.
- Condicionar financiamentos públicos à melhoria das condições de trabalho.
- Reconhecimento salarial e profissional que reflita a contribuição vital dos trabalhadores.
Sem ação coletiva, os erros do presente serão transferidos para as próximas gerações.