Enquanto o Setor Exporta Milhões, Faltam Trabalhadores nas Fábricas.

Milhões para fora. Miséria cá dentro.
O setor do calçado português celebrou recentemente um crescimento significativo nas exportações, com Luís Onofre, presidente da APICCAPS, a classificar o primeiro trimestre de 2025 como "um início do ano muito promissor, num contexto internacional particularmente difícil" (SIC Notícias). Os números impressionam: um aumento de 5,4% em valor e 4,9% em volume, atingindo um total de 453 milhões de euros com 20 milhões de pares exportados.
Mas esta é apenas uma parte da história, cuidadosamente apresentada pela associação patronal APICCAPS e replicada sem questionamento pela imprensa nacional. Internamente, a realidade é muito diferente, e é crucial expor o que realmente está a acontecer nas fábricas portuguesas de calçado.
Consolidação internacional ou estagnação laboral?
Luís Onofre destaca repetidamente que 2025 será "um ano de consolidação do calçado português no exterior" (Executive Digest), sublinhando os desafios enfrentados devido às taxas alfandegárias impostas pelos Estados Unidos, onde as vendas recuaram 12,7% (ECO Sapo). Contudo, essa "consolidação" é ilusória e apenas externa, visto que os trabalhadores enfrentam estagnação salarial e absoluta ausência de progresso social e laboral.
Enquanto a APICCAPS projeta uma imagem internacional positiva, o setor internamente permanece ancorado no salário mínimo nacional e num subsídio de alimentação de apenas 2,5 euros por dia. Este valor não só é insuficiente para cobrir as necessidades básicas dos trabalhadores, como permanece inalterado há anos, simbolizando claramente a desvalorização institucionalizada destes profissionais.
A estratégia patronal da APICCAPS
Apesar da narrativa oficial, não há qualquer avanço real na negociação coletiva com sindicatos representativos. A APICCAPS, numa clara manobra de enfraquecimento dos direitos laborais, prefere negociar acordos à porta fechada com sindicatos sem expressão real no setor, contornando assim o verdadeiro diálogo social. Estes contratos impostos unilateralmente retiram direitos, aumentam a precariedade e agravam ainda mais as condições já difíceis dos trabalhadores.
Um exemplo flagrante foi a celebração de um contrato coletivo em setembro de 2023 com um sindicato sem representatividade significativa, uma clara tentativa de legitimar retrocessos nos direitos laborais sem resistência dos trabalhadores ou de sindicatos representativos.
Hipocrisia institucionalizada
Simultaneamente, a APICCAPS reclama publicamente da falta de mão de obra no setor, apelando à necessidade de atrair jovens e imigrantes (Felgueiras Magazine). Esta retórica é profundamente hipócrita, pois nada é feito para valorizar os trabalhadores que já estão no setor. Pelo contrário, as condições degradantes afastam os próprios trabalhadores portugueses, que procuram melhores oportunidades noutros setores. A juventude, testemunha do sofrimento das gerações anteriores, não deseja repetir os mesmos erros, optando por carreiras mais dignas e valorizadas.
Silêncio cúmplice dos media
Outro aspeto preocupante é a cumplicidade silenciosa dos media, que se limitam a reproduzir fielmente os comunicados oficiais da APICCAPS sem investigar ou dar voz aos trabalhadores e sindicatos representativos. Este silêncio mediático é uma cortina de fumo que legitima a estratégia patronal, ocultando deliberadamente a precariedade e a injustiça laboral nas fábricas.
Uma crise social mascarada pelo sucesso económico
Na realidade, a crise do setor do calçado português vai muito além das questões económicas. Trata-se de uma crise profunda, social e moral, causada pela exploração contínua e pela indiferença institucional. Enquanto a APICCAPS exporta sucesso e luxo, internamente importa precariedade e injustiça, numa política sistemática de desrespeito aos trabalhadores.
É preciso agir!
O SNPIC não aceita este modelo exploratório e continuará a denunciar, a exigir condições dignas e uma negociação coletiva justa e transparente. A luta pela valorização dos trabalhadores é urgente e essencial para garantir um futuro sustentável ao setor.
O que podes fazer:
- Sindicaliza-te.
- Protege os teus direitos.
- Fortalece a tua voz.
Sindicato Nacional dos Profissionais da Indústria do Calçado, Malas e Afins – SNPIC
Fontes:
- https://sicnoticias.pt/pais/2025-05-12-exportacoes-de-calcado-portugues-crescem-54-ce6ed5c0
- https://www.felgueirasmagazine.pt/calcado-portugues-regista-crescimento-significativo-no-primeiro-trimestre-de-2025/
- https://eco.sapo.pt/2025/05/12/exportacoes-portuguesas-de-calcado-crescem-54-mas-recuam-127-nos-eua/
- https://executivedigest.sapo.pt/noticias/exportacoes-portuguesas-de-calcado-crescem-54-e-somam-453-milhoes-de-euros-no-1-o-trimestre/