O setor do calçado em Portugal tem sido notícia nos últimos dias por causa da megacampanha lançada pela APICCAPS para chamar jovens às fábricas. Mas será que esta é a solução para a precariedade que se vive no setor?
Artigo sobre o novo modelo de campanha da APICCAPS para atrair os jovens à indústria: AQUI
A verdade é que as campanhas nas redes sociais, como o TikTok, em favor dos empresários não resolvem o problema da precariedade dos trabalhadores do setor do calçado. Pelo contrário, apenas aumentam os lucros dos empresários que cada vez mais contratam trabalhadores jovens de primeiro emprego cujo ordenado é e parece que irá continuar a ser precário, o mínimo. A mentalidade dos patrões é reduzir os trabalhadores a salários mínimos e a condições de precariedade, o que não oferece um futuro animador para os filhos daqueles que passaram pela indústria.
Os pais não vão apoiar os filhos a viver uma vida condenada a abusos de poder da entidade patronal e hipotecar o futuro se o setor só é obrigado a pagar o salário mínimo e as empresas que não o fazem, pagam pouco mais e ainda dizem - pagamos bem acima do acordado no Contrato Coletivo de Trabalho do setor do Calçado - têm as carreiras congeladas e há 10 anos que os empresários só são obrigados a pagar 2.5 euros de subsídio de alimentação. Os filhos dos trabalhadores da indústria do calçado atualmente não querem seguir os passos dos pais, porque estes ganham o salário mínimo ou pouco mais e não têm dignificação na carreira mesmo que trabalhem há mais de 20 anos no setor ou até na mesma empresa.
Não podemos considerar que as campanhas para os jovens nas redes sociais como o TikTok sejam de utilidade no setor do calçado, além de lavagem cerebral. Daí o interesse de implementar também nas escolas, isto não é para incentivar à profissão, mas sim para prepará-los já de cedo a uma escravização ainda mais disfarçada. O setor do calçado precisa de medidas efetivas que combatam a precariedade, que garantam a justiça e dignidade dos trabalhadores, não de manobras como esta.
O ano de 2022 foi um ano recorde no setor do calçado, com exportações nunca alcançadas. No entanto, nesse mesmo ano, a APICCAPS não negociou o contrato coletivo de trabalho do setor do calçado com a FESETE e seus sindicatos. Ou seja, o setor cresceu e faturou mais, mas não houve melhoria para os trabalhadores, que continuam a viver com salários baixos e em condições precárias.
Os empresários pretendem incentivar logo de cedo a vontade de trabalhar aos jovens, mas não incentivam a vontade de trabalhar condignamente, com justas remunerações. Ser-se sindicalizado é uma mais-valia a todos os níveis, tal como os empresários logo de cedo entendem que unidos são mais fortes e são associados de uma associação patronal como a APICCAPS. Deveriam desde cedo fundamentar este tipo de comportamento, isso sim, seria admirável.
O Sindicato Nacional do Calçado, Malas e Afins luta pela valorização dos trabalhadores do setor e pela garantia de justiça e condições de trabalho adequadas. É imprescindível que a APICCAPS e os empresários do setor considerem as necessidades dos trabalhadores e parem de explorar a mão de obra barata. A escassez de trabalhadores no setor deve-se, em grande parte, à atitude dos empresários, que não pagam salários justos para que as novas gerações de trabalhadores se sintam atraídas pela profissão.
É ainda mais perverso o fato de a APICCAPS, que representa os empresários do setor, negligenciar os trabalhadores experientes - aqueles que construíram e mantêm a indústria do calçado em funcionamento - em vez de lhes dar o merecido reconhecimento. Com esse reconhecimento, os trabalhadores poderiam servir como exemplo para inspirar as novas gerações a entrar no setor do calçado. No entanto, a APICCAPS prefere renovar a força de trabalho com uma nova geração de trabalhadores com mentalidade de "trabalhar muito, a ganhar pouco", em vez de valorizar a experiência e conhecimento daqueles que já estão no setor.